No dia 20 de janeiro de 1973 o estádio Morenão foi palco de uma partida histórica entre o Operário Futebol Clube e Esporte Clube Comercial. Segundo registros do jornalista Marcelo Nunes este foi o primeiro clássico Comerário na era profissional, um novo ciclo para o futebol campo-grandense em um período marcante para os saudosistas do futebol sul-mato-grossense.
O projeto audacioso da construção do maior estádio universitário da América do Sul, o Estádio Pedro Pedrossian, inaugurado em 7 de março de 1971, chamava a atenção da população. Não demoraria muito para o local se tornar um símbolo de Campo Grande e passasse a ser chamado de Estádio Morenão, em referência ao apelido da cidade. Os times do município precisavam “virar a chave” e o futebol campo-grandense começava a mudar com a profissionalização do Esporte Clube Comercial em 1972. Fundado em 15 de março de 1943, por comerciantes e estudantes do Colégio Dom Bosco juntamente com o esportista Etheócles Ferreira, o Colorado figurava entre os principais times do futebol amador da cidade conquistando 9 títulos da Liga-Campo-Grandense (1948, 1951, 1956, 1957, 1959, 1964, 1965, 1967 e 1971).
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Seu arquirrival Operário não ficaria para trás e logo no ano seguinte também se tornaria um clube de futebol profissional. Fundado em 21 de agosto de 1938 por representantes da construção civil liderados pelo pintor Plínio Bittencourt, o Operário Futebol Clube já tinha em sua galeria, 3 títulos da Liga Campo-Grandense (1942, 1945 e 1966).
Segundo o jornalista Marcelo Nunes, o primeiro registro do clássico Comerário na era profissional, foi na data de 20 de janeiro de 1973 no estádio Morenão pela tradicional Taça Campo Grande, um torneio que ainda contou com a participação da Sociedade Esportiva Industriaria. “Esse jogo foi num sábado à noite, começou às 21h30 e teve 6 mil e 71 pagantes para uma renda de 51 mil e 35 cruzeiros. Esse jogo foi 1 a 0 para o Operário e gol foi marcado pelo Pinho aos 30 minutos do segundo tempo e um chute de fora da área. O árbitro foi o Mário Vinhas e os assistentes foram o Ladislau de Oliveira e Agnaldo de Barros, o trio do Rio de Janeiro”, relata Marcelo.
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Marcelo Nunes é jornalista e tem mãos o maior acervo de registros da história do clássico Comerário com mais de 20 anos de pesquisa intensas computando incluindo os jogos da era do amadorismo e as partidas amistosas entre os 2 clubes. Pesquisa que segundo ele teve o apoio dos companheiros Ricardo Paredes, Edna de Souza, Artur Mário, Elson Pinheiros e o Marquinhos. Marcelo ainda tem o desejo de publicar o livro: “História dos Comerários”, obra na qual começou a escrever, mas que ainda não foi finalizada. Por conta do seu trabalho como profissional de comunicação, seus registros foram atualizados pela última vez em 27 de março de 2020, foram 196 partidas com 76 vitórias do Operário, 53 vitórias do Comercial e outros 67 empates.
Seguindo esses números, somado às outras 6 partidas do final de 2020 até 2022, teriam sido disputadas 202 clássicos Comerários com 77 vitórias do Operário (incluindo a da escalação do jogador irregular do Operário em 20 de novembro de 2020), 72 empates e 53 vitórias do Comercial, números que são contestados por parte da imprensa que alegam e alguns casos, nunca ter tido acesso ao acervo com os registros jogo a jogo. O cronista esportivo Gean Nascimento dá continuidade dos números do clássico na era profissional que foram preservados pelo cronista Thiago Lopes de Faria no período em que trabalhou na Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul (FFMS). Entretanto, o primeiro registro profissional computado nesse documento é o confronto de 10 de março de 1973 pela Taça Integração Presidente Médici, também disputada no Estádio Pedro Pedrossian que terminou zero a zero.
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De 1973 em diante, a rivalidade que já era grande, mudava de patamar e ganhava proporções nacionais que transcenderiam por muitas décadas, levando um grandes públicos aos estádios da cidade para assistir ao derby, que mais tarde se transformaria no maior clássico do estado do Mato Grosso do Sul. Segundo aponta o blog Arquivos do Futebol do Brasil, em maio, durante a Seletiva Mato-Grossense, o Comercial venceu as duas partidas contra o Operário (a primeira por 1 a 0 e a segunda por 2 a 1) e garantiu a vaga para a disputa do Campeonato Brasileiro daquele mesmo ano.
Em 1974 foi a vez do Operário representar o estado de Mato Grosso no Campeonato Brasileiro. O ex-goleiro Wagner que chegou ao Operário naquele mesmo ano, lamenta não ter tido muitas chances de jogar o clássico como titular, mas lembra bem como era o clima antes da disputa de um Comerário nos anos 70. “Eu tive poucas oportunidades de jogar um clássico como titular, muitas às vezes estava na reserva, mas é indescritível a emoção dos Comerários dos anos 70. Todos tinham uma característica de muita rivalidade, para se ter uma ideia, as torcidas não admitiam ver um jogador do Operário conversando com o do Comercial e vice versa, se vissem (isso) no estádio iriam cobrar com muito xingamentos”, lembra Wagner.
No mesmo ano em que disputou a competição nacional, o Operário conquistou o seu primeiro título estadual, o Campeonato Mato-Grossense de 1974. Em 1975 o Comercial “deu o troco” e conquistou a sua primeira e única taça de Campeão Mato-Grossense. Até hoje, Comercial e Operário são os únicos clubes do Brasil que conseguiram o feito de serem campeões por 2 estados diferentes.
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O ex-goleiro Wagner vestiu a camisa operariana por 4 temporadas de março de 1974 até fevereiro de 1978 e guarda como relíquia as faixas de campeão estadual pelo Alvinegro nos anos de 74,76 e 77. “Consegui conviver um pouco com aquele timaço que ficou em 3° lugar no Brasileiro de 1977, ainda que no segundo semestre eu tenha passado pela minha primeira cirurgia nos joelhos. O Operário me deu toda assistência na época, completei minha recuperação na EXEFEX na Urca/RJ. A antiga CBD, hoje CBF, tinha um convênio com o Exército para recuperação de atletas profissionais de futebol” lembra Wagner.
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O atual Presidente do Esporte Clube Comercial, Claudio Barbosa, lembra com saudade daqueles clássicos dos anos dourados do futebol do estado. “O futebol sul-mato-grossense tem muitas lembranças boas, Morenão lotado, aquele clássico Comerário que colocava 30 ou 35 mil pessoas em todo jogo. Grandes atletas passaram pelos 2 clubes, alguns até chegaram na Seleção Brasileira no caso do Dema que jogou no Comercial. Então a gente sente uma saudade enorme né? Torcemos para que haja um planejamento para que o futebol sul-mato-grossense volte ao tempo de ouro e que logo num curto período de tempo, o nosso futebol renasça e reapareça novamente para o cenário nacional” recorda Claudio.
Depois da conquista comercialina, o Galo emplacou uma hegemonia estadual que se prolongou por 6 anos em um o período que marcou a divisão do estado do Mato Grosso. O ex-zagueiro Larry defendeu o Operário no ano de 1977, quando a agremiação se tornou Tricampeão Mato-Grossense (1975/1976/1977) e fez uma campanha histórica no Campeonato Brasileiro.
“Na transferência do Marião para o Inter, fomos os primeiros à ir para o Operário, Alcione e eu. Foi um grande amigo, fomos emprestados ainda em janeiro e em fevereiro chegou Rogério também por empréstimo, depois chegaram, Tadeu Santos, Edson Soares e Escurinho…em definitivo. Joguei quase 100 % dos jogos e isso me proporcionou, retornar ao Inter e vir a ser titular da zaga por um ano. Em agosto de 79 fiz uma cirurgia e retornei no início do Brasileiro de 79, onde fomos campeões invictos. Sou grato ao Operário, costumo dizer que o Operário e Campo Grande foram o paraíso na minha vida, não me lesionei, tive grandes companheiros e profissionais do clube, além do Presidente Irineu Farina”, lembra Larry.
Larry se orgulha de não ter perdido nenhum clássico naquela campanha que culminou com o Tricampeonato do Galo. “Joguei 5 Comerários e não perdemos nenhum, vencemos os 3 turnos (do campeonato). No início de outubro de 77, tinha um troféu em disputa e o Castilho fora recontratado e viu o jogo das cadeiras (do estádio), tive uma das melhores atuações da minha carreira, vencemos de 1×0. Meu desempenho foi reconhecido e felizmente fui o destaque do jogo. Lembro do meu companheiro e amigo Alcione (que não jogou), descendo das cadeiras feliz e vindo ao vestiário, onde me deu um efusivo abraço”, se recorda Larry.
Ainda na década de 70, o Comerário ganhou outra dimensão e atravessou as divisas do próprio estado, passando a ser um clássico de nível nacional. Representando o estado de Mato Grosso, os arquirrivais duelaram duas vezes na elite do Campeonato Brasileiro, a primeira, foi na fase inicial da competição, em 22 de maio de 1978 que terminou em 1 a 1. Já o segundo encontro foi no ano seguinte em partida válida pela segunda fase do campeonato nacional em que o Operário venceu por 2 a 0 na data de 8 de novembro de 1979. Com a criação do estado do Mato Grosso do Sul, o Operário continuou a sua hegemonia estadual sendo Tricampeão Sul-Mato-Grossense (1979,1980 e 1981). Em 1981, na conquista do Tricampeonato, a grande decisão foi justamente contra o Comercial. O ex-jogador Paulo Marcos, apesar da identificação com o Operário, jogou o clássico pelos 2 lados e lembra como era a atmosfera antes, durante e depois das partidas.
“Eu ia na padaria de manhã, o cara era comercialino, ficava aquelas resenhas de chacota, de que no final de semana que ia acontecer alguma coisa, se bem que eu joguei os clássicos pelo Operário e pelo Comercial, mas evidente, mais pelo Operário, porque mais tempo eu passei no Operário. Eu tinha família aí (em Campo Grande) na época e tinha esse contato mais próximo com o povo, no açougue, padaria, alguma loja, farmácia, etc. Na época do Comercial eu morava no hotel e a resenha era só dentro do hotel mesmo, não tinha tanto contato externo. Mas a cidade ficava toda envolvida, virava o comentário da semana, tinha apostas pesadas na época. O clássico em si sempre com a casa cheia, com o Morenão lotado e no meu tempo sempre com times muito fortes”, lembra Paulo.
O clássico Comerário da final do estadual de 1981, deixou “marcas estruturais” para Paulo Marcos tanto do lado positivo como no negativo e o pós-jogo acabou virando um acontecimento que ficou na história e se transformou em “lenda” na cidade.
“O clássico da final de 81, foi o clássico do problema, o clássico que mais marcou. O comercial montou um time muito forte e tinha ganhou o segundo turno se não me engano e nós tínhamos ganhado o primeiro e fomos jogar esses jogos confrontantes da final. No jogo, o Bugre (do Comercial) começou falando algumas coisas e em determinada hora do jogo, eu fui subir para rebater uma bola de cabeça e ele me deu uma cotovelada, que abriu o meu nariz. No final do jogo em um escanteio, estava 1 a 0 para nós, o empate seria para eles e ele me deu uma cotovelada e eu tirei o rosto. A marcação (pedida pelo técnico) foi designada pra eu marcar ele nos escanteios deles. Era um jogador perigoso na bola aérea, aí ele me deu um soco nas costas, o goleiro nosso pegou a bola e o juiz acabou o jogo. Eu saí atrás dele e deu uma confusão, que todos conhecem, fomos campeões e eu voltei de férias uma semana depois (do título) e queimaram a minha casa. Ninguém sabe quem queimou e a minha família não quis mais ficar, preocupados com os acontecimentos, fui vendido para o Colorado do Paraná”, se recorda Paulo.
O ex-jogador Elison Nantes, conhece bem o ambiente entorno do clássico e sabe que a rivalidade começava ainda nas categorias de base. O atual preparador físico do Comercial, começou jogando na base do Operário, mas foi com a camisa comercialina que Bolão, como é conhecido, se identificaria de verdade. Depois de pendurar as chuteiras, Bolão seguiu contribuindo com seus serviços em prol do Colorado.
“Eu tive o prazer de jogar na década de 90, joguei 4 clássicos contra o Operário na base. Sempre é um jogo difícil, não tem favorito. Você pode estar bem condicionado, pode não estar condicionado, pode estar com dinheiro, pode estar sem dinheiro, pode estar com jogador, pode estar sem jogador, mas o clássico é definido lá dentro das 4 linhas. E Clássico é clássico, assim como todos os grandes clássicos regionais que tem pelo Brasil”, ressalta Bolão.
O próximo clássico Comerário já tem data marcada, será no dia 29 de janeiro (domingo) no estádio das Moreninhas e marca a estreia dos 2 rivais no Campeonato Sul-Mato-Grossense 2023. O último ano em que o local recebeu o clássico foi em 2016, foram 2 empates em 1 a 1, sendo que o primeiro duelo é lembrado particularmente por ter sido o primeiro clássico depois de 5 anos do último encontro. Aquele foi um embate emblemático que contou com a participação de 2 centroavantes de renome nacional, Aloísio Chulapa (Comercial) e Rodrigo Grahl (Operário), que com seus “faros” de gols, deixaram a suas marcas no empate por 1 a 1 na partida que reuniu um público de 1400 pessoas no Jacques da Luz.
Atual campeão Sul-Mato-Grossense, o Operário além de defender o título, vai representar Mato Grosso do Sul na Copa do Brasil, Copa Verde e Campeonato Brasileiro da Série D. Situação bem diferente do Comercial, sem o apoio de empresários parceiros e sem patrocínio até o momento, a agremiação mais uma vez, aposta todas a suas fichas nas categorias de base e corre contra o tempo.
“Muito difícil é um desafio muito grande. É a primeira vez na minha carreira que a gente tem que condicionar uma equipe em 10 dias e não tem condição, ninguém consegue fazer isso. Subimos meia carga essa semana e já acabou a carga, não tem como condicionar mais forte do que isso se não vai pesar. É complicado, é um desafio forte que o Comercial tem pela frente esse ano, mas estamos preparados, vamos para cima e pode ter certeza que nós vamos honrar essa camisa vermelha e branca”, afirma Bolão.”
Dentre as joias que precisam ser lapidadas dentro do elenco comercialino está o atacante Pedrinho. O jovem iniciou a carreira nas categorias de base do Operário e estava no elenco que foi Campeão Estadual pelo Galo em 2022. Sem ter tido a oportunidade de entrar em campo durante a campanha vitoriosa do time profissional, o “garoto” veio busca novos ares no Lobo Guará com a pretensão de arrumar o seu espaço no time e estrear como jogador profissional, que pode ser justamente contra o clube que o revelou.
“Estamos trabalhando, cada um buscando o seu espaço e o time é formado pela molecada da base e alguns profissionais, mas é um elenco bem qualificado. Então é procurar evoluir cada vez mais para poder chegar no jogo e executar as jogadas da melhor forma possível. É um dos maiores clássicos da região e eu quero entrar bem e focado para se Deus quiser, sair com os 3 pontos”, ressalta Pedrinho.
Sem os chamados “medalhões” os jovens atletas tem a “obrigação” de classificar a equipe para fase segunda fase do estadual para evitar um trágico rebaixamento, realidade que o próprio presidente Claudio Barbosa não esconde de ninguém. Para escapar de uma situação mais delicada no ano em que o clube completa 80 anos, Claudio pede ajuda dos empresários e conta com o apoio das torcidas para fazerem uma grande festa no próximo clássico Comerário.
“Nos últimos 3 anos a gente teve o apoio dos parceiros e empresários que sempre confiam no trabalho para estar nos ajudando. E a parte financeira é difícil, porque não temos grandes industrias ajudando o clube e futebol hoje é business, futebol é dinheiro. A garotada tem que aproveitar as oportunidades e fazer o melhor dentro de campo para matar o jogo porque é um grande clássico. A gente convoca tanto a nação colorada, como a torcida operariana que vá domingo que vem, dia 29, para fazer um grande espetáculo, as duas torcidas, com ‘casa’ cheia, para poder apoiar os atletas sul-mato-grossenses”, finaliza Claudio.