Nessa segunda (21) foi celebrado o aniversário de fundação de duas agremiações que além das cores, tem como semelhança a luta por igualdade dentro dos campos de futebol em diferentes períodos da história. Com 125 anos completados, o Club de Regatas Vasco da Gama tem orgulho de ser o pioneiro em montar um time totalmente formado por negros. Há mais de um século, os Camisas Negras deram uma “resposta histórica” dentro dos gramados, conquistando o título de Campeão Carioca de 1923. Tempos depois, em Campo Grande, ainda “sofrendo na pele” com o preconceito estrutural dos praticantes do esporte bretão, era criado por trabalhadores da construção civil, em sua maioria negros, o Operário Futebol Clube no ano 1938.
O nome do heroico português, Vasco da Gama, a tua fama assim se fez
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No dia 21 de agosto de 1898, um grupo de 62 rapazes, na sua maioria, imigrantes portugueses, fundava o Club de Regatas Vasco da Gama, com seu nome inspirados nas celebrações do quarto centenário da descoberta do caminho marítimo para as Índias.
Desde a sua fundação o Vasco da Gama sempre esteve aberto a brasileiros de todas as origens e classes sociais, além dos portugueses, tendo tido, inclusive, um presidente mulato, Cândido José de Araújo, eleito para o período de agosto de 1904 a agosto de 1905 e reeleito para o período seguinte, até agosto de 1906. Foi sob a sua presidência, em 24 de setembro de 1905, que o Vasco se sagrou campeão carioca de remo pela primeira vez na sua história.
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No futebol, és um traço de união Brasil-Portugal
O Lusitânia foi um clube de futebol fundado logo após o desembarque da Seleção de Lisboa ao Rio de Janeiro a convite do Botafogo FC, para a inauguração do seu campo na Rua General Severiano em 1913. Mais tarde o Lusitânia fundiu-se ao Vasco, trazendo no processo os seus sócios e patrimônio, que consistia de uniformes, chuteiras e bolas de futebol.
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A instituição começou a aderir à prática do esporte em 1915, após anos de tramite envolvendo a criação do departamento de futebol, já que a maioria dos sócios pertencia ao remo, a nova diretoria eleita em 1916, efetivou a adesão ao grupo do Lusitânia e logo enviou um requerimento para a filiação à Liga Metropolitana de Futebol, que efetuou a aprovação em 29 de fevereiro para disputa da terceira divisão do campeonato estadual.
O Verdadeiro Clube do Povo do Rio de Janeiro
Apesar de ser basicamente um clube de colônia, o Vasco seguia a boa tradição portuguesa da mistura e para reforçar o elenco ia recrutando sem discriminação aqueles que se sobressaíam nas peladas de subúrbio e nos chamados “pequenos”. Assim, enquanto os jogadores dos aristocráticos clubes grandes eram praticamente todos brancos e ricos, em sua maioria acadêmicos, os atletas do Vasco eram de trabalhadores humildes que mal sabiam escrever o próprio nome. Em 1922, após seis temporadas disputando a segunda divisão, o Vasco se sagrou campeão da Série B do Estadual e chegou à elite do campeonato carioca.
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No primeiro ano na elite a equipe vascaína dirigida pelo técnico uruguaio Ramon Platero terminou o primeiro turno invicto. O time ficou conhecido como os “Camisas Negras” e quanto mais vencia, mais os estádios se enchiam de gente que nunca tinham visto um jogo de futebol antes na vida. A ótima campanha do cruzmaltino irritou os arquirrivais, que passaram a impor empecilhos para evitar que o Vasco mantivesse os seus jogadores para sequência do campeonato.
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O primeiro pretexto já era visto como uma forma para menosprezar os atletas do Vasco, já que incluía o analfabetismo como um dos critérios de exclusão de jogadores do campeonato da Liga Metropolitana. Para que os atletas conseguissem, mesmo que sem uma boa ortografia, escreverem os dados necessários e assinarem o pedido de inscrição ou opção, o Vasco contou com a ajuda do bibliotecário do clube Custódio Moura, para ensinar os jogadores a ler e escrever.
A resistência dos “Camisas Negras” de lutar “contra tudo e contra todos” foi recompensada no dia 12 de agosto de 1923 com conquista do primeiro título do Campeonato Carioca da história do Vasco da Gama. A eximia campanha de 11 vitórias em 13 jogos, terminou com apenas uma derrota, justamente no último jogo contra o Flamengo. Não só o título, mas a luta para incluir negros e operários em um esporte até então elitista é também motivo de orgulho para a torcida vascaína.
Em março de 1924, arquirrivais romperam com a Liga Metropolitana e se reuniram para a fundação da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA). O Vasco foi convidado a se filiar, desde que excluísse 12 de seus jogadores, sendo sete da equipe principal e cinco do segundo quadro. Em sua maioria, atletas negros e pertencentes às camadas populares da sociedade.
Em 7 de abril de 1924, na secretaria do clube, o presidente vascaíno José Augusto Prestes redigiu e assinou o Ofício n.º 261, a “Resposta Histórica”. Ali, o Vasco desistia de fazer parte da AMEA e ficaria com seus jogadores, marcando seu nome na história.
Operário do Povo
No dia 21 de agosto de 1938, representantes da construção civil liderados pelo pintor Plínio Bittencourt fundaram o Operário Futebol Clube. O time foi criado por cidadãos comuns que buscavam espaço na sociedade brasileira regida pelo Estado Novo. Operários criavam um clube de origem popular, combatendo o preconceito para disseminar o esporte bretão que na época era praticado apenas pela elite. A instituição do povo, mostraria o seu valor durante o período do futebol amador da cidade com as conquistas da Liga Campo-Grandense em 1942, 1945 e mais tarde, dando fim ao enorme jejum de 21 anos, levantando a taça de 1966 a última da era amadora.
Uma “seca” de títulos, que o Operário voltaria a enfrentar mais de 30 anos depois desse feito. Após o Bicampeonato Sul-Mato-Grossense (em 1996 e 1997) o Operário ficou 21 anos sem levantar o título do campeonato estadual e só voltou a soltar o grito de campão “entalado na garganta” em 2018, justamente no ano das comemorações dos 80 anos de existência do clube. O atual Presidente do Conselho Deliberativo do Operário, Estevão Petrallas se lembra de uma história envolvendo a torcedora símbolo do Operário que esteve presente durante todo esse jejum.
“Eu me lembro do último episódio na cidade de Rio Brilhante, quando nós recebemos o Operário com uma dívida de 12 mil reais perante a justiça desportiva e a perda de mando de seis jogos. Estávamos jogando a Série B e eu assisti ao jogo, atrás do gol juntamente com Dona Maria Preta. E ela dizia, ‘seu Petrallas, eu vou morrer e não vou ver esse operário campeão’ e eu disse, Dona Maria não morre não, que nós vamos ser campeão”, se lembra Estevão.
A comemoração realizada no Rádio Clube Cidade, foi um verdadeiro marco para o Operário Futebol Clube, que enfim, pode reescrever a sua própria história apagando as injustiças cometidas com aqueles operários da construção civil que fundaram o clube e que foram impedidos de jogar futebol naquele mesmo lugar ainda no período do amadorismo.
O Operário nasceu de um clube social chamado Clube dos 30, que era visto como o clube para o povão bailar. Já que o Rádio Clube pertencente a elite, acabou sendo fechado por perseguição política e por conta disso,muitos dos seus integrantes, mais tarde, ajudariam a fundar o Operário Futebol Clube. Estevão se recordou desse fato inusitado durante a comemoração dos 80 anos do Galo.
“O clube surgiu na Mato Grosso onde hoje é o Sinduscon, Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil e a festa foi no Rádio Clube porque era onde os operarianos não tinham espaço para que pudesse adentrar, porque era o clube da elite e o Operário era o clube do povão, então não tinha como ter acesso. E lembramos desse fato rapidamente durante a comemoração, claro sem causar nenhum constrangimento, porque não era o foco”, lembra Estevão.
Seu eterno rival, o Esporte Clube Comercial foi fundado por comerciantes e estudantes do Colégio Dom Bosco juntamente com o esportista Etheócles Ferreira tempos depois, em 15 de março de 1943.
O escritor Reginaldo Alves Araújo que escreveu o livro: Futebol Uma Fantástica Paixão, a história do futebol campo-grandense tomo 1, cita a definição da Liga Municipal de Campo Grande de 1951.
Na ocasião, o Operário perdeu o título para o Comercial e a torcida operariana atribuiu a derrota, as cores do uniforme que foram modificadas pelo então Presidente do Operário, Silvio Andrade, justamente no embate decisivo. Após o apito final, o lado “preto e branco” das arquibancadas ficou tão irritado que arrancou o conjunto vestido pelos jogadores para atear fogo, numa demonstração de enorme insatisfação com o resultado, o que de modo geral, mostra um pouco do tamanho da dimensão da rivalidade que envolve o clássico Comerário.
Na década de 70, o Colorado se profissionalizou para a disputa da Seletiva para o Campeonato Brasileiro, se tornando o primeiro clube do estado do Mato Grosso a disputar a elite do futebol brasileiro em 1973. No mesmo ano em que seu arquirrival disputou a primeira divisão do nacional, o Galo da Bandeirantes conquistou o seu primeiro torneio internacional. Operário campeão da Taça Seleção União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Foi nessa época que o Operário uniu forças para poder competir no ano seguinte.
“O clube de trabalhadores que talvez não tivesse condições nem de fazer o seu documento. E a gente tem histórias de um diretor da época em que sua mulher estava gravida, e ele aguardando o nascimento do filho, ele investiu todo esse dinheiro na Federação Mato-Grossense de Futebol”, relembra Estevão.
Confira o Papo Sem Retranca com Estevão Petrallas na íntegra
Em 2023 o clássico Comerário completou 50 anos de rivalidade profissional. Foi no dia 20 de janeiro de 1973 pela tradicional Taça Campo Grande, que o estádio Morenão foi palco da partida histórica entre o Operário Futebol Clube e Esporte Clube Comercial, segundo registros do jornalista Marcelo Nunes.
“Esse jogo foi num sábado à noite, começou às 21h30 e teve 6 mil e 71 pagantes para uma renda de 51 mil e 35 cruzeiros. Esse jogo foi 1 a 0 para o Operário e gol foi marcado pelo Pinho, aos 30 minutos do segundo tempo em um chute de fora da área. O árbitro foi o Mário Vinhas e os assistentes foram o Ladislau de Oliveira e Agnaldo de Barros, o trio do Rio de Janeiro”, relata Marcelo.
Marcelo Nunes é jornalista e tem mãos o maior acervo de registros da história do clássico Comerário com mais de 20 anos de pesquisa intensas computados, incluindo os jogos da era do amadorismo e partidas amistosas entre os dois clubes. Pesquisa que segundo ele próprio teve o apoio dos companheiros, Ricardo Paredes, Edna de Souza, Artur Mário, Elson Pinheiro e Marquinhos. Marcelo ainda tem o desejo de publicar o livro: “História dos Comerários”, obra na qual começou a escrever, mas que ainda não foi finalizada.
Ao todo o Operário conta com 10 participações na primeira divisão nacional, tendo como marcante a campanha de 1977, quando o Galo derrubou gigantes dos gramados e terminou com um honroso e inesquecível 3 º lugar.
Criação de MS
A Lei Complementar 31 que previa a divisão do estado do Mato Grosso foi oficializada em 11 de outubro de 1977. Porém, a lei sancionada pelo então Presidente da República Ernesto Geisel, só entraria em vigor em 1979. Com isso, o Operário foi impedido de ser hexacampeão estadual, justamente por conta da criação do estado de Mato Grosso do Sul. O Operário conquistou 6 títulos consecutivos em 76,77,78 (Mato-grossense) e 79,80,81 (Sul-mato-grossense).
No polêmico ano de 1987, o Alvinegro fez história e se tornou o primeiro time do MS a vencer uma competição nacional. O Módulo Branco do Brasileiro daquele ano, ainda não é reconhecido pela CBF, mas, segue sendo motivo de orgulho para os operarianos. Até hoje, o Operário Futebol Clube é o maior do estado de Mato Grosso do Sul com 12 títulos estaduais.
Fontes: Emanuelle Ribeiro do Portal GE com pesquisa de Walmer Peres Santana, historiador do Vasco e do site NetVasco.